Como os sertanejos concebem a ideia de igreja (sagrado-divino)?





Como os sertanejos concebem a ideia de igreja (sagrado-divino)?

(Luciano Costa)

A questão da espiritualidade do sertanejo é algo complexo, digno de um estudo aprofundado, que vise detectar características dessa ambiência sagrada. A sua cultura lhe é “sagrada”. Aliás o sagrado está na sua “arte” pintada na tela, no quadro da parede, na imagem esculpida para a qual ele devota seu olhar contemplativo. Está em sua linguagem, no rito, na tradição herdada e até mesmo na superstição crida. O sertanejo é um ser religioso, sua religião é herança sagrada que não lhe pode ser tirada, roubada e mesmo profanada pela “religião” do outro que lhe convida.
Sua ida a igreja é o momento mais sublime, na qual sua espiritualidade se concretiza. Na procissão pelas ruas da cidade, rezando e cantando a ladainha, carregando seu “santinho” nas mãos, segurado seu terço, que representa seu sacrifício de oração. Entrar na igreja, é seu lugar mais sagrado, se benzer ao passar em frente a mesma é gesto habitual, que lhe traz proteção!
O sagrado está em um lugar, ela habita ali, estático, imóvel. Está desenhado ou esculpido, pronto e acabado para a veneração e contemplação de seus devotos. O sertanejo concebe o sagrado a partir de sua tradição, do que sua família lhe repassou. A tradição oral é “seu livro sagrado”, a Bíblia por vezes é tida como apenas um livro escrito por homens, e não é a Palavra de Deus.
A sua igreja geralmente foi a primeira e mais imponente construção da cidade, ela sempre fica no centro da mesma, com um símbolo do poder religioso sempre presente e que pode ser acessado por todos.... É lá que sua devoção encontra o devido sentido, que há o encontro do devoto com o seu santo de estimação, suas preces, rezas e lamento são feitas, as vezes apenas com o simples ato de beijar o objeto de sua veneração.
Se as vezes lhes falta palavras para comunicar-se com seu santo, mas não lhes falta o vigor e o esforço sacrificial para cumprir a penitência e pagar a promessa feita! Há uma música que trata dessa temática da expressão religiosa e cultural do sertanejo, farei citação de um trecho da mesma. A música é “Romaria”, que foi composta por Renato Teixeira de Oliveira, tem várias versões cantadas por cantores diversos
“Me disseram, porém,
Que eu viesse aqui
Pra pedir de romaria e prece
Paz nos desaventos
Como eu não sei rezar
Só queria mostrar
Meu olhar, meu olhar, meu olhar”.
 Perceba que a expressão: “Me disseram, porém...”, aponta exatamente para a importância da tradição oral, que culturalmente predomina no contexto do interior do Sertão. Não está dizendo que eu li, mas me disseram, alguém me falou que eu deveria buscar apoio no sagrado, no divino, no “sacrifício” em participar de uma romaria. O que é uma romaria? Uma peregrinação religiosa a um lugar tido como sagrado, no intuito de pedir com preces e sacrifícios humanos “bênçãos” ao santo de devoção, para agradecer bênçãos prometidas, para vivenciar a experiência religiosa, com mais intensidade, pois são esses “lugares divinos” onde acontecem milagres e curas e que proporcionam um aumento da fé e credulidade do sertanejo. Havendo casos de muitos destes, fazerem periodicamente peregrinações e romarias por toda a sua vida a lugares distantes, com altos custos e em condições penosas, tudo para cumprir com a “promessa” feita ao santo de sua devoção.
Outro ponto que a música aborda nessa estrofe é que, nem sempre o devoto que está lá na igreja é um praticante do rito, as vezes ele não sabe nem mesmo as rezas que podem ser decoradas, contudo: “ Como não sei rezar, Só queria mostra, Meu olhar, meu olhar, meu olhar”. Entendo, que a participação contemplativa também é uma forma de interagir com a divindade. Através de seu olhar o sertanejo demonstra seu anseio, sua sede da Água da Vida. Certamente o olhar do sertanejo comovido por lágrimas é a mais certa expressão de sua oração, silenciosa e sem palavras, porém cheia de convicção, direcionada ao seu santo de devoção!
A devoção contemplativa do sertanejo é cercada de símbolos sagrados. Aliás sua própria casa “assume” esse lado artístico-religioso. Cheia de quadros, pinturas, santos. Um quadro que sempre é possível encontrar é uma réplica mal “acabada” da santa ceia. E assim, o sertanejo concebe o sagrado, assim ele adora aos seus “santos”, padroeiras e padroeiros, que em cada cidade é tido como o santo protetor da mesma.
Os significantes de igreja são vários, um lugar imponente, com altas torres, com sino (que inclusive convoca os devotos para as atividades), com várias imagens de esculturas religiosas (santos) que são venerados, adorados, cridos, amados! Nesse lugar acontecem os momentos mais relevantes de sua vida: batismo infantil (criança), crisma, primeira comunhão, catecismo, casamento, e por fim velório-missa de sepultamento e ainda outras missas, sétimo dia, mês, aniversário de um ano, após o falecimento.















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