Evangelismo e Ação Social no Contexto Sertanejo.
Evangelismo
e Ação Social no Contexto Sertanejo.
*Luciano Costa
Introdução:
Tratar
sobre essa temática, torna-se um desafio, partindo do ponto de vista, que
vivemos momentos em que a igreja brasileira “pendula” para posições extremadas
sobre como deve vivenciar e realizar a sua missão evangelizadora e
discipuladora.
I
– O contexto do Sertão
Quando olhamos para o
sertão nordestino temos já “caricaturada” a imagem de um povo sofrido, pobre,
de pouca cultura, castigado pelas secas. Mas a razão maior da pobreza e miséria
no sertão não é apenas a seca. Em seu livro “Missionários para o Sertão
Nordestino – desafios, capacitação e evangelização integral”, O Pr. Ildemar Nunes de Medeiros,
ressalta:
“O
sertanejo sofre mais com as injustiças sociais do que com a escassez de
recursos naturais. Padece com a “indústria da seca”, manipulada por interesses
políticos e por grupos poderosos, ou seja, a atitude mais comum é que se
atribuam as causas da pobreza nordestina à natureza, ao clima, à geografia,
quando na verdade as causas são decorrentes de problemas políticos, sociais e
culturais, historicamente construídos”.
Percebe-se que no
contexto sertanejo, há necessidades variadas, pobreza, analfabetismo, doenças,
vulnerabilidade social, etc. É um
ambiente propício para a realização de ação
social e de assistencial social.
Todavia, como sou nascido e criado no sertão, percebo que há ações sociais que
não contribuem com a evangelização, pela forma como são realizadas. |Em seu
livro “A Missão Cristã no Mundo Moderno”, o John Stott, apresenta alguns
conceitos sobre essa temática:
“Qual
deveria ser a relação entre evangelismo e ação social no contexto da
responsabilidade social? (...) Primeiro, alguns consideram a ação social um meio de evangelismo. (...) Em sua
forma mais ostensiva, isto faz do trabalho social (seja alimentação, saúde ou
educação) o açúcar no comprimido, a isca no anzol, ao mesmo tempo em que, em
sua melhor forma, dá ao evangelho uma credibilidade que, de outra maneira, ele
não teria. Em qualquer dos casos o cheiro de hipocrisia permeia nossa
filantropia. (...) E o resultado de fazer do nosso programa social um meio para
outro fim é que produzimos os chamados “cristãos cesta básica”. (...) A segunda
maneira de relacionar evangelismo e ação social é melhor. Ela diz respeito à
ação social não como um meio para o evangelismo, mas como uma manifestação do evangelismo, ou pelos
menos, do evangelho que está sendo proclamando. Podemos quase dizer que ação
social torna-se o “sacramento” do evangelismo, pois faz a mensagem
significativamente visível. (...) Se for, ainda assim, e talvez até
conscientemente, elas são apenas um meio para justificar um fim. Se as boas
obras forem uma pregação visível, então elas esperam um retorno; mas se as boas
obras forem o amor visível, então elas são feitas “sem esperar nenhuma paga”
(Lc 6.35). Isso me traz ao terceiro modo de explicar a relação entre
evangelismo e ação social, que creio ser a forma verdadeiramente cristã, ou
seja, que ação social é uma parceira do
evangelismo. Como parceiros, os dois se completam, mas são, mesmo assim,
independentes entre si. Lado a lado, cada um se sustenta por si e possui sua
própria autonomia. Nenhum deles é um meio para o outro, pois cada um é um fim
em si mesmo. Ambos são expressões de amor genuíno. Como o Congresso Anglicano
Evangélico Nacional em Keele declarou, em 1967, “Evangelismo e serviço de
compaixão pertencem, juntos, à missão de Deus” (parágrafo 2.20)”.
Temos, portanto a
compreensão que evangelismo não é ação social e ação social não é evangelismo!
Todavia, há uma simbiose entre essas
ações no cumprimento da missão de Deus nesse mundo, conciliar e manter o
equilíbrio em nossa práxis missionária no sertão exige de nós uma compreensão
bíblica e teológica pautada nos ensinos de Cristo sobre a referida temática. Quem
sabe, essa falta de compreensão nos leve a praticar a ação social como um meio
para “evangelizar” pessoas carentes, tentar aproximar pecadores de Cristo por
outros meios desassociados do evangelho e/ou sem explicar o mesmo pode ser
desastroso. Tenho visto ao longo de minha caminhada pelo sertão isso acontecer.
Missionários que tem pautado suas ações missionárias prioritariamente através
da ação social, acabam criando dificuldades no proclamação do evangelho em
determinadas regiões muito carentes de nosso interior sertanejo. Reproduzindo a
citação acima do John Stott, “E o resultado de fazer de nosso programa
social um meio para outro fim é que produzimos os chamados “cristãos cestas
básicas”. Há sim esse perigo no sertão e quando se cria essa cultura na
qual a igreja chega numa comunidade primeiramente para realizar essa ação social, mesmo antes de se fazer
conhecida: quem é, a quem serve e o que pretende anunciar, perde-se o foco!
Perde-se a essência da proclamação bíblica das boas novas!
2-
A evangelização como prioridade na proclamação das boas novas.
O termo evangelização
nem sempre nos traz uma definição clara do que seja e de como devemos
realizá-la, podemos estar realizando algumas atividades no intuito de
evangelizar, sem contudo, entendermos biblicamente o que isso significa!
Segundo Wagner (1995,
p. 124) descreve há imprecisão quando tratamos dessa temática:
Muitos
cristãos agem como se o significado da palavra evangelização fosse tão óbvio
que não precisasse de elaboração mais aprofundada. Até mesmo alguns autores de
livros sobre evangelização caem nesta armadilha. [...] mais da metade dos
livros sobre evangelização, os autores nunca param para explicar exatamente em
que sentido usam esse termo. Como muitos outros, eles pressupõem uma definição
de evangelização, e quando o fazem, normalmente adotam o que considero uma
definição inadequada.
Acredito
que é justamente nessa falta de definirmos clara e biblicamente o que é a
evangelização, que abrimos espaço para nos distanciarmos tanto de seu
entendimento como de sua prática. A evangelização não é um programa a mais nas
atividades da igreja, não é apenas mais um departamento que elaboramos para
atingir metas, a evangelização é uma ação natural de uma igreja que encarna o
evangelho que ensina e que viva a verdade que proclama.
A
evangelização pode ser definida como sendo a proclamação da obra salvífica de
Nosso Senhor Jesus Cristo aos homens. Um dos maiores evangelistas da história
recente, Graham (1983. p. 6) afirma que: [...]
a evangelização preocupa-se com as pessoas e o seu relacionamento com Deus e
também o seu relacionamento e responsabilidade para com o seu próximo. O
anúncio dessa proclamação é exclusivo da igreja e deve ser analisado dentro do
seu contexto bíblico teológico, não dos seus resultados. Tudo o que a igreja
local está de fato fazendo pode ser chamado de evangelização? Para Packer
(1990, p. 22): [...] Nem toda proclamação
que “surte efeito” é evangelização e, nem toda a pregação que “não alcança os
resultados esperados”, deixou de ser evangelização. Queiróz (1998, p.15)
define evangelização da seguinte forma: [...]
É o trabalho que igrejas e indivíduos fazem dentro de seu contexto cultural
geográfico. Falando em termos práticos a evangelização é a proclamação do
evangelho de Cristo através de sua igreja que é enviada ao mundo como sal e luz
(Mateus 5.13-16). Segundo Gonçalves (2019, p. 17)
A
função da evangelização é uma das expressões máximas da Grande Comissão. Por
isso, sua comunicação precisa ser eclesiológica, teológica, dinâmica,
contextual e integral. A Grande Comissão é moldada no evangelismo, na evangelização,
na integração dos novos convertidos
e no discipulado cristão. [...] Reiteramos que a Grande
comissão tem suas quatro faces para ser praticada pela igreja. Há igrejas que
dão ênfase só na evangelização e se esquecem da integração; outras têm seu foco
na integração, mas se esquecem do discipulado; e sobre o evangelismo, nem
comentam. (Grifo meu).
No contexto do sertão,
a escassez de treinamentos e cursos voltados para área missionária pode ser a
causa da perpetuação de uma evangelização descontextualizada e as vezes
desassociada dos princípios bíblicos. No afã de conseguir ganhar pessoas para
Cristo (ou mesmo para a sua igreja) muitas vezes os missionários-plantadores de
igrejas, buscam a utilização de várias atividades com o propósito de atrair
pessoas para a igreja; todavia, nem sempre está acontecendo uma evangelização
bíblica e Cristocêntrica. É nesse
contexto que a ação social, muitas vezes acaba se tornando um meio para
“demonstrar o amor de Deus”, ou como citam muitos, a igreja pregando com suas
obras. Portanto, vamos a tentativa de definirmos o que é ação social,
assistência social e assistencialismo. Jamais a igreja de Cristo falhará em sua
missão evangelizadora se ela pregar a Cristo:
Porque
os judeus pedem sinal, e os gregos buscam sabedoria; mas nós pregamos a Cristo crucificado,
que é escândalo para os judeus e loucura para os gregos, mas, para os que são
chamados, tanto judeus como gregos, lhes pregamos a Cristo, poder de Deus e
sabedoria de Deus. (I Co 1.22-24).
3-
A Evangelização tendo como parceira a
Ação Social – como podemos conciliar
essa simbiose? Sem que uma possa depender da outra para e com os seus
resultados.
Tenho observado alguns
missionários tentando plantarem igrejas tendo como “locomotiva” a ação social ou mesmo projetos sociais de desenvolvimentos de
áreas carentes. Todavia, apesar de alguns avanços percebidos em alguns lugares,
é preciso notificar, que sempre há o perigo do projeto ou da ação social
gerar uma dependência dela mesma, ao invés de causar o sentimento de
dependência de Deus e de seu cuidado.
Atentando para esse perigos iminentes na evangelização do sertão, bem
como procurando equilibrar a parceria que esta deve ter com a ação social. Quero mencionar um
entendimento que considero equilibrado do pastor e missiólogo, Ronaldo Lidório
(2018, p. 130-31):
Devemos entender que: 1) A ação
social não produz fé. Ao contrário, é um resultado da fé; 2) A ação social se
justifica pela necessidade de aflito. Não é um balcão de troca pela fé; 3) A
ação social cria um ambiente propício para que a nossa fé seja percebida e
outros sejam atraídos a Cristo, glorificando a Deus, como se lê em Mateus 5.16:
“Assim brilhe também a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas
boas obras e glorifiquem a vosso Pai que está nos céus”.
Entendo que Lidório foi
coerente com o a temática, quando não exalta a ação social como algo que deve
ser feito a qualquer custo, sem contudo, ter os critérios bíblicos. Acredito
que um grande equívoco hoje em algumas “teologias missionárias” é dizer que
tudo o que a igreja faz é missão! Esse entendimento que tudo é missão causa uma
confusão na efetivação da missão. “Se tudo é missão, nada é missão”. (Stephen Neil). Confundimos ou podemos
confundir ação social com evangelismo, assistência social com evangelização,
eventos e programas como se fosse integração de novos convertidos.
Surge então um
questionamento – como podemos conciliar essas duas ações – evangelismo e ação
social no contexto do sertão?
Definindo
a ação social, no sentido que estou falando: ação social é uma ajuda necessária e
especifica realizada por alguém, ou por um grupo de pessoas, no intuito de
socorrer uma família e/ou indivíduo que esteja extremamente necessitado, Ex.
Falta de alimentos, vestes ou doenças. (Tg 2.15-16; II Co 9.9-13; I Jo 3. 16-17).
Assistência
Social – é uma ação mais elaborada que intenta mudar a
realidade social, econômica, cultural de alguém, ou de uma família ou de uma
comunidade. Tenta promover um pouco de seguridade social, diminuindo a
vulnerabilidade social. Ex: Os projetos
sociais do Governo Federal tem como política pública promover o desenvolvimento
e erradicar a vulnerabilidade social dos menos favorecidos, embora isso nem
sempre ocorra, pelo contrário, percebemos que tem causado também uma acomodação
e dependência ao Programa.
Então, segundo a
orientação do Lidório (2018, p.131) temos:
“Ao olharmos para uma área, bairro,
cidade, segmento social ou etnia, devemos nos perguntar como podemos comunicar
Cristo e a Palavra de forma que os valores do Reino produzam salvação e
transformação espiritual, bem como um público testemunho social.
Alguns passos a serem dados:
1.
Peça
ao Senhor para sensibilizar seu coração e seus olhos, para enxergar e se
condoer; ter verdadeira compaixão pelos que sofrem.
2.
Busquem
os segmentos mais sofridos, como as viúvas, órfãos, encarcerados, enfermos,
imigrantes e solitários.
3.
Desenvolva
uma linha de ação a partir do perfil da sua igreja. Se há um corpo presente de
médicos e enfermeiros, promova clínicas volantes. Se há pessoas dispostas,
inicie uma creche de auxílio à comunidade carente. Se há um corpo de
psicólogos, desenvolva um programa de auxílio às doenças emocionais.
4.
Inicie
um projeto pequeno e experimental e envolva-se pessoalmente neste projeto.
5.
Envolva
a igreja com a sociedade, ensinando que em todas as áreas da vida (espirituais
ou sociais), o crente deve ser luz que brilha.
6.
Não se deixe corromper pela revolta
contra a miséria e injustiça, pois um espírito revoltado não possui equilíbrio
para as decisões. (grifo meu).
7.
Mantenha
em mente que a Palavra é o melhor instrumento e o maior bem que você pode usar
e entregar a uma sociedade, pois só o evangelho produzirá transformação durável
e permanente.
Portanto, a exposição
feita por Lidório busca esse equilíbrio, ela aponta ações que podem nos ajudar
em nosso envolvimento através da ação
social ou das obras de misericórdia.
Ele tem nos convoca a
olharmos o que dispomos na igreja se temos profissionais que podem e devem, se
desejarem (voluntariamente) envolver-se em alguma ação social que possa fazer a
diferença em seu próprio contexto. Mas a fala aqui não gira em torno de algo que a igreja tem que fazer senão...
mas algo que a igreja pode também fazer enquanto cumpre a Grande Comissão:
evangelizadora e discipuladora.
É exatamente esse equilíbrio
que precisamos buscar, no qual a ação social nos ajuda a proclamar o amor de
Deus através de nossas boas obras (Mateus 5.16), sem contudo se tornar um
substituto da proclamação das boas novas e da apresentação do plano da salvação
na pessoa bendita do Senhor Jesus Cristo.
É possível sim,
conciliarmos a evangelização com ação social, isto nunca deveria nos
preocupar a ponto de termos que debater tanto sobre essa temática. Todavia,
como ao longo do desenvolvimento de nossa missiologia temos sofrido influências
diversas, agora se faz necessário atentarmos sobre como estamos fazendo e cumprindo
nossa missão para que não transformemos nossas plantações de igrejas apenas em
projetos de desenvolvimento comunitário, que não venhamos a transformar nossa
ação social em uma ONG que vai suplantar o avanço e a relevância da igreja,
quando esta tem que sobrevier à sombra daquela!
Portanto afirmo que a
missão da igreja – primordialmente como vista na Grande Comissão, na igreja
primitiva mostrada em Atos e na vida de Paulo – é ganhar pessoas para Cristo e edificá-las
em Cristo. Fazer discípulos para Cristo – essa é nossa tarefa!
*O autor Luciano Costa.
É pedagogo, pastoreia a Assembleia de Deus na cidade de Santana do Matos-RN.
Coordena a EMITES – Escola Missionária de Treinamento Estratégico para o
Sertão.
BIBILOGRAFIA
Bíblia
Sagrada. Almeida Corrigida.
STOTT,
John. A Missão Cristã no Mundo Moderno.
Editora Ultimato. Viçosa-MG. 2010.
DEYOUNG,
Kevin & GILBERT, Greg. Qual a Missão
da Igreja? Editora Fiel. São José dos Campos-SP. 2012.
MEDEIROS,
Ildemar Nunes. Missionários para o Sertão
Nordestino- Desafios, capacitação e evangelização integral. Betel
Publicações. João Pessoa-PB. 2013.
LIDÓRIO,
Ronaldo. Plantando Igrejas. Editora
Cultura Cristã. São Paulo. 2018.
GONÇALVES,
Paulo. Evangelização – A Igreja na busca
da Excelência da Evangelização. Módulo 3.
Print. Impressões Inteligentes. Cacoal – Rondônia. 2019.
WAGNER,
Peter. Evangelização Dinâmica. Miami,
Florida. Editora Vida. 1995.
0 comentários:
Postar um comentário