A IGREJA E A MISSÃO – aonde estamos e para onde caminhamos??
A
IGREJA E A MISSÃO – aonde estamos e para onde caminhamos??
*(Luciano
Costa)
Atualmente
há um vasto interesse pela missiologia, pelo estudo da missio Dei, todavia, percebo que muitas vezes ainda nos encontramos
“confusos” e/ou “pendulando” na compreensão de nossa missão como igreja nesse
mundo, ou como participante da missão de
Deus nesse mundo ou como igreja enviada a esse mundo, ou como igreja
sinalizadora do Reino nesse mundo, ou como...
Podemos
nos perder a partir dos significados das palavras, o que queremos dizer com a
palavra “missão”? Qual o entendimento que nos vem à mente quando a ouvimos, ou
melhor quando a pronunciamos? “Missão” e “Missões” são a mesma coisa? Perceba
que, para compreendermos esses e outros termos relacionados a missiologia
precisamos começar de onde estamos, e onde estamos? Com qual cosmovisão
estamos? Permita-me citar um postulado da nossa igreja (Assembleia de Deus),
quero citar um trecho de nossa “Declaração de Fé das Assembleias de Deus”,
em seu Capítulo XI, e 6º parágrafo, que trata especificamente sobre “A missão
da Igreja”; publicado no ano de 2017.
“Entendemos
que a função primordial da igreja é glorificar a Deus: “Quer comais, quer bebais ou façais outra qualquer coisa, fazei tudo
para a glória de Deus”. (I Co 10.31). Isso é feito por meio da adoração, da
evangelização, da edificação de seus membros e do trabalho social. (grifo meu). A igreja foi eleita para a adoração
e o louvor de Deus, recebendo, também, a missão de proclamar o evangelho da
salvação ao mundo todo, anunciando que Jesus salva, cura, batiza com o Espírito
Santo e que em breve voltará. (...) O
evangelho é proclamado, a homens e mulheres, sem fazer distinção de raça,
língua, cultura ou classe social, pois “o
campo é o mundo” (Mt 13.38). Jesus disse: “Portanto ide, fazei discípulos de todas as nações” (Mt 28.19-ARA), “e
ser-me-eis testemunhas tanto em Jerusalém como em toda a Judéia e Samaria e até
aos confins da terra” (At 1.8). Portanto,
entendemos que é responsabilidade da Igreja a obra missionária. A
edificação é realizada por meio do ensino da Palavra nas reuniões apropriadas
da Igreja, como culto de ensino, da escola bíblica dominical. A igreja também
exerce o ministério de socorro e misericórdia, que inclui o cuidado dos pobres
e necessitados, e não somente dos seus membros, mas também dos não membros. (...)
A igreja tem o papel de ser sal e luz do mundo, e essa luz resplandece por meio
de nossas boas obras. Ensinamos que, para a consecução da sua missão, o
Espírito Santo foi derramado sobre a igreja no dia de Pentecostes, e Cristo
concedeu líderes para servir a Igreja: “Querendo
o aperfeiçoamento dos santos para a obra do ministério, para a edificação do
corpo de Cristo” (Ef 4.12).
É
claro que nessa abordagem sucinta da Declaração de Fé assembleiana, não podemos
detectar
toda a cosmovisão que a mesma tem esposado ao longo de mais de 100 anos,
todavia, percebemos sua ênfase no propósito de continuar sendo uma igreja querigmática, isto é, proclamadora do
evangelho. Mas isso compreende realmente toda a missão da Igreja? Até que ponto
percebemos a nossa missão como apenas uma ação de ir e pregar? Será que o kerigma não é apenas um aspecto dessa missão
de Deus no mundo? Qual a nossa compreensão sobre ser uma igreja “relevante”
nesse mundo? Relevante para quem? Relevante para quê? As vezes realizamos
muitas “missões”, e nos esquecemos do Deus da missão!
Para
ampliar nossa discussão, quero citar, Johannes Blauw em seu livro, A Natureza
Missionária da Igreja, publicado pela ASTE, em 2012:
“Tem
havido, especialmente nos últimos dez anos, muita discussão sobre “Igreja e
Missão” nos círculos missionários. Esta discussão não precisaria nos deter
aqui, uma vez que ela já foi descrita em outros lugares. Mas precisamos
discutir a questão sobre até que ponto a investigação
bíblica nos dá oportunidade e direito de contrastar Igreja e missão. (...)
Mas aconteceu um desenvolvimento extraordinário na teologia bíblica nas últimas
poucas décadas, o qual levou à redescoberta da Igreja como comunidade do Reino,
como comunidade de testemunho e de serviço no mundo e para o mundo. Fora do
movimento missionário corrente, é aceita pela maioria a convicção de que a
Igreja é Igreja missionária, ou então não é Igreja. A eclesiologia, que durante
tantos séculos permaneceu estática, está sendo agora substituída gradualmente
por uma outra mais dinâmica, que é tanto escatológica quanto missionária”.
(BLAUW. 2012, p.145).
O
que Johannes Blauw quer dizer, quando afirma que “com o desenvolvimento extraordinário da teologia bíblica, levou a
redescoberta da Igreja como comunidade do Reino”? O que seria essa
comunidade do Reino? Que agora atua com “testemunho
e serviço no mundo e para o mundo”? Outro fator que nos chama a atenção, é
quando ele fala que a eclesiologia que por muitos anos permaneceu estática...
Que quer isto dizer? Acredito que uma eclesiologia estática, fala de parâmetros
que não dialogam com a realidade e com o mundo atual, de uma cosmovisão
estática e que estando formada e dicotomizada não consegue ver além do que as
lentes predeterminadas mostram. “Acredito
que jamais entenderemos sobre a missão de Deus nesse mundo e qual a nossa
atuação na mesma, se primeiro não entendemos qual é a nossa identidade como
igreja. A identidade da igreja precede a sua missão nesse mundo, porque ela não
vai além da proporia compreensão que a mesma tem de si mesma”.
Contudo,
se ainda podemos ampliar mais essa discussão, quero citar um trecho de “O Compromisso da Cidade do Cabo – uma
declaração de fé e um chamado para agir”, que o mesmo traz em sua
apresentação, publicado pela editora Encontro em parceria com a editora
Ultimato, em 2014.
“Toda
a igreja levando todo o evangelho para o mundo todo”
“Esta
é uma fantástica e significativa declaração que o Movimento de Lausanne tem
abraçado desde os seus inícios, no ido ano de 1974. O Movimento nasceu em torno
do compromisso com a evangelização mundial e tem procurado entender esse
mandato e ser fiel a ele em cada etapa da sua história. É por isso que se
enfatiza a missão em termos geográficos, indo para onde nunca ou pouco se foi.
Outra ênfase é fazer missão levando em conta cada contexto e cada nova geração.
Daí
a importância de se enfatizar a missão como a ampla vocação da igreja para
viver e proclamar o evangelho em todas as áreas da vida e com todas as
consequências, sejam pessoais ou comunitárias, morais e éticas, espirituais e
emocionais, politicas, socioeconômicas e amplamente culturais. Assim é o
evangelho: ele é para todos, para sempre e permeia todas as áreas da nossa
vida” (grifo meu).
Nesse
trecho temos variadas afirmações que vão ampliando a forma de fazer teologia na
América Latina. Essa compreensão modifica também a forma da igreja se perceber
nesse mundo e consequentemente há uma modificação na sua forma de atuação no
mundo. Agora não é somente a ênfase na ação querigmática
da igreja, mas como esse kerigma
acontece? Ao falar de uma integralidade do evangelho a afirmação do ‘Compromisso da Cidade do Cabo”, muda de
forma consubstancial o entendimento do que é a missão da igreja nesse mundo.
Essa mudança tem ocorrido consensualmente nos seminários teológicos e
missiológicos da América e porque não dizer do Brasil. Agora a Igreja está em
missão no mundo (ou pelos deveria estar), atuando onde está e a partir das
posições que ocupa e não apenas considera a missão uma tarefa de alguns poucos
vocacionados para isso. Porém surge um questionamento: “Se tudo é missão, nada
é missão”. (Stephen Neil). Se a questão é ampliação da missio Dei, então o que não é missão?
PROCURANDO UMA DEFINIÇÃO PARA O
TERMO MISSÃO
Observando
o que até aqui foi proposto, percebemos que não chegamos a uma definição pronta
sobre qual é a missão da igreja? Se
há vários “entendimentos” sobre o que é a missão da igreja e se eles de certa
forma diferem em seus princípios e postulados, será que não estamos
comprometendo nossa práxis missionária por causa dessa “indefinição” do que
somos e do que devemos fazer? Porque a base teológica de toda missiologia é sua
cristologia e sua continuidade fundamenta-se na eclesiologia que a igreja crer
e abraça como sua. Segundo David Bosh, em seu livro Missão Transformadora: “Desde os anos 1950, tem havido entre os
cristãos um aumento notável do uso da palavra ‘missão’. Isso tem sido
acompanhado de uma ampliação significativa de seu conceito, pelo menos em
certos círculos”. Então essa fala do David Bosh está evidenciada nos vários
conceitos acima dispostos como tentativa de significar a palavra ‘missão’.
Porém, o próprio David Bosh, chega a uma conclusão (ele considerado um
excelente missiólogo): “Não é
surpreendente que Bosh conclua, algumas páginas depois: “Em última análise,
missão permanece indefinível”. Todavia,
é necessário entendermos em que contexto ele afirma isso, pois ficaria
complicado, concluir um livro assim. Sua assertiva tem lugar no momento em que
ele fala de uma crise paradigmática pela qual passa a igreja, justamente entre
outros aspectos considerados relevantes que estão “sofrendo” mudanças de
significados e de atuação, está a questão missiólogica. É preciso dizer que
todo o processo de crise implica em mudanças e em adaptações, em mudanças de
compreensão e em mudanças na práxis, e estas são necessárias, sem contudo,
dissolver todo um legado teológico e histórico que a igreja tem e constrói ao
longo de sua existência.
Quero
também citar um livro que eu considero relevante para essa discussão, pelo
equilíbrio que os autores denotam ao tratar sobre “Qual a Missão da Igreja?”, escrito por Kevin DeYoung & Greg
Gilbert, publicado pela Editora Fiel, em 2016.
“Em
seu aspecto mais elementar, o termo missão
implica dois aspectos para muitas pessoas: (1) ser enviado e (2) receber uma
tarefa. A primeira ideia é coerente porque a palavra missão vem de uma palavra latina (mittere) que significa “enviar”. A segunda ideia está implícita na
primeira. Quando somos enviamos em uma missão, somos enviados para fazer alguma coisa – e não tudo; recebemos uma
tarefa específica”. (...)
De
modo semelhante, John Stott argumentou que a missão não é tudo que a igreja
faz, mas, antes, missão descreve “tudo que a igreja é enviada a fazer no
mundo”.
A
partir dessa compreensão “desmitificamos” a ideia de que a igreja tem que, que a igreja tem que ter uma
alternativa a fome no mundo, que a igreja tem que ter uma saída para a
violência no bairro, que a igreja tem que cuidar da precariedade da saúde das
pessoas na cidade, quando dizemos que a
igreja tem que resolver ou ter uma resposta para tudo, colocamos a missão
como algo não especifico, mas casual, como algo que pode ser qualquer coisa, ou
coisa nenhuma, ou todas as coisas novamente. Podemos tratar da questão sobre
outro prisma, como igreja podemos nos envolver com isso e com aquilo, não
devemos ser insensíveis as necessidades daqueles que nos cercam, mas sobretudo,
que não percamos de vista qual é realmente o propósito que nos faz sermos
enviados ao mundo e no mundo. Se há algo específico para o qual Deus nos chamou
e nos comissionou, precisamos de toda a clareza possível sobre o que é, como
acontece e quando deve acontecer. Ainda citando o livro “Qual a Missão da Igreja?”:
“Jesus
até nos diz na Grande Comissão (como Mateus a relata) que devemos ensinar as
pessoas a guardar “todas as coisas
que vos ordenado”. Todavia, não significa que tudo o que fazemos em obediência
a Cristo deve ser entendido como parte da missão da igreja. A missão que Jesus
deu à igreja é mais específica do que isso. E isso, por sua vez, não significa
que outros mandamentos de Jesus não são importantes. Significa que a igreja
recebeu uma missão específica de seu Senhor, e ensinar as pessoas a obedecerem aos mandamentos de Cristo é uma
parte inegociável dessa missão”. (...) Portanto, dizemos novamente: que a
missão da igreja conforme vista na Grande Comissão, na igreja primitiva
mostrada em Atos e na vida do apóstolo Paulo – é ganhar pessoas para Cristo
edificá-las em Cristo. Fazer discípulos – essa é a nossa tarefa”.
É
claro que parece uma explicação muito “simplista” para alguns que querem algo
mais contemporâneo, algo mais “contextual”. Isto é, o que a narrativa bíblica
nos apresenta e devemos nos ater ao texto bíblico e procurar transmitir a sua
mensagem para essa geração atual, sem contudo, mudar seus princípios e sem
mudar sua comunicação. Penso que essa “teologização”
da missão a partir das ciências sociais, e a partir de uma hermenêutica
crítica, e de uma abordagem econômica-política-social,
da busca de novas teologias, que
recusam os postulados teológicos da Reforma e a historicidade da igreja e da
teologia cristã, causa a abertura para todo o tipo de interpretação do texto
bíblico, bem como do Cristo apresentando na Palavra e do que é a igreja e a sua
missão nesse mundo.
Os
discípulos e a igreja primitiva, compreenderam qual era a missão deles, quem
era o Cristo que eles haviam crido e o que significava ser igreja naquele
contexto, em uma palavra simples como as que Jesus usou para chamar os
pescadores à beira da praia “Então, disse-lhes Jesus: Vinde após mim, e Eu vos farei
pescadores de homens”. Mateus, 4.19.Acredito que as vezes teorizamos demais a missão
quando deveríamos sermos obediente ao que a Palavra de Deus nos manda fazer, e
com os recursos que ela diz que nós temos ao nosso dispor.
TENTANDO CHEGAR A
UMA CONCLUSÃO...
Partindo
do pressuposto bíblico que Jesus ordenou nas passagens da Grande Comissão (Mt
28.16-20; Mc 13.10; 14,9; Lc 24.44-49; At 1.8). A igreja deve ser a agência
proclamadora das boas novas de salvação, deve ser um lugar onde pecadores são
transformados pela graça de Deus em discípulos que aprendem de seu Senhor e
Mestre, Jesus Cristo. A igreja também deve viver o evangelho que apregoa, sendo
sal e luz do mundo, resplandecendo com astros no meio de uma geração corrompida
e perversa. Sendo a coluna e firmeza da verdade, vivendo em integridade e labor
missionário sempre.
Não
deve jamais desviar de seu foco, de ir e fazer discípulos, ainda que algum
momentos tenha que “alimentar as multidões famintas” como Jesus fez, mas em um
momento, não tomar para si a responsabilidade de alimentá-los por todo o tempo.
Deve praticar a justiça do reino e sinalizá-lo sem que para isso precise pregar
outras ideologias partidárias ou filosóficas como se essas substituíssem o ensino
bíblico. O evangelho é o poder de Deus que a igreja precisa crer e vivenciar.
Vivenciar e pregar, por obras e em palavras, para que os gentios possam ver as
nossas boas obras e glorificarem o nosso Pai que está nos céus, mas está agindo
na terra entre e por meio de nós, igreja comprometida com a sua missão. Por
fim, não tenho como esgotar e fechar uma temática tão ampla em apenas um
artigo, mas a proposta é que possamos voltar a Palavra e redescobrir (se for o
caso) qual a nossa missão nesse mundo como igreja enviada pelo Pai, pelo Filho e pelo Espírito Santo (e com o Espírito
Santo).
BIBLIOGRAFIA
DEYOUNG,
Kevin & GILBERT, Greg. Qual a Missão
da Igreja? – entendo a Justiça Social e a Grande Comissão. Editora Fiel. Reimpressão.
2016. São José dos Campos-SP.
BLAUW,
Johannes. A Natureza Missionária da
Igreja. ASTE. 2ª edição.2012. São Paulo-SP.
SILVA,
Esequias Soares. (Organizador). Declaração
de Fé das Assembleias de Deus. 3ª impressão. 2017. Rio de Janeiro-RJ.
Movimento
Lausanne. O Compromisso da Cidade do
Cabo – Uma declaração de fé e um chamado para agir. Encontro Publicações e
Editora Ultimato. 2014. Curitiba-PR.
*Luciano Costa. O autor do artigo é
pastor de tempo integral na Assembleia de Deus em Santana do Matos-RN. Pedagogo
(UERN). Coordenador da EMITES (Escola Missionária de Treinamento Estratégico
para o Sertão). Casado há 22 anos com Jussária Costa, pai do Lucas Ezequiel e
da Lêda Soares. Atualmente é aluno no curso Plantador Intensivo Nordeste (sobre
plantação de igrejas missionais), da Atos 29. Estudioso da eclesiologia e
missiologia.
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